hermeticamente fechado

her.me.ti.ca.men.te
de forma hermética
de forma selada, lacrada; de modo que não entre ar
isoladamente, de forma tal que não há troca de ar ou outros gases

Era só mais um dia de trabalho. Mesmo que fosse um trabalho que exigisse desinfecção em máquinas apropriadas, trajes anti-contaminação reforçados, segurança redobrada na entrada do seu ambiente de trabalho, leitura óptica para conferência e uso de materiais diários, tempo de estada dentro do local cronometrado e não podendo passar de cinco minutos consecutivos… ainda sim, era só mais um dia de trabalho.

A luz vermelha estava acesa.

Se há uma coisa que eu aprendi foi: quando a luz vermelha está acesa, o problema está por perto. Seja aonde for, se a luz vermelha estiver acesa, o problema está próximo. O problema com as luzes é que não existe problema, elas sempre lhe salvam do problema e sempre foram indicadores de muitas situações no decorrer da humanidade e sempre deram certo. No cristianismo, a luz de uma estrela guiou os três reis magos até o local onde o messias havia nascido. No satanismo, a estrela vermelha marca a luz de um novo tempo. Na Grécia antiga, a luz do fogo foi motivo de muita confusão entre Prometeu e os demais deuses e o resultado foi a dádiva do fogo aos mortais. Ou seja, vocês deveriam confiar mais nas luzes que vocês vêem.

Se ele tivesse confiado, voltado e analisado o que poderia estar ativando aquela luz vermelha, teria poupado a humanidade de um trabalho infinito e irrecuperável. A verdade é que a seqüência de fatos que se sucedeu após a luz vermelha ser ignorada foi o mais fora do normal possível. Dentro daquela experiência, era a primeira vez que Yussuf havia visto um rato andar somente em uma direção e estagnar entre as grades da gaiola que o prendia forçando-as com tanta força que chegava a sangrar seu rosto. O susto de ver aquela cena o fez abrir a gaiola do roedor para a coleta do sangue do animal. Afinal de contas, se houvesse anomalia sanguínea, teria que ser avisado imediatamente ao Dr. Statham, coordenador da pesquisa que promoveria mais outra daquelas curas milagrosas para as células atacadas pelo vírus da SIDA.

Após a coleta e análise, constatou-se que o roedor havia sim, sofrido alterações sanguíneas. E, dentro das possibilidades, se a mesma carga foi injetada (em doses proporcionais ao peso) em todos os outros animais, alguma alteração maior poderia ter sido observada. Após passar para o compartimento de animais de maior porte, Yussuf viu em escala maior e mais violenta um macaco (dos muitos que havia na sala) usar toda a sua força para romper as grades que o detinham. O susto fez com que ele caísse de costas em cima de uma prateleira com apetrechos cirúrgicos e bem próximo da jaula de outro primata. Ao ser agarrado, o desespero que estava sendo contido desde que havia aberto o compartimento e havia visto aquele primata tão furioso e, ao mesmo tempo, tão devagar em suas ações, veio à tona e sua única alternativa era se debater desesperadamente até que o primata o soltasse. Passados alguns segundos de luta incessante que mais pareciam horas, Yussuf consegue se soltar e sai correndo desesperadamente com um arranhão que havia rasgado seu macacão de proteção. Na sala de descontaminação, o processo é feito rapidamente como manda o manual de emergências. O banho com o desintoxicante por todo o corpo, a secagem a jato e a vaporização térmica diminuíam o risco de contaminação caso o usuário fosse exposto ao vírus.

A falta de pensamentos era normal, o israelense era um dos poucos cientistas capazes de não tremer diante da situação mais adversa possível. Já havia passado por diversas situações complicadas em laboratório, de corrosão de traje especial a picada de cobra com veneno letal. Porém, dessa vez era diferente. Dessa vez ele tinha um arranhão que havia sangrado. Dessa vez ele tinha algo dentro de si que ainda estava no mais absoluto sigilo. Dessa vez, era algo que até ele desconhecia. Era algo que ele e seu coordenador direto, Dr. Statham, tentavam manipular de forma que as modificações feitas por eles gerasse algo que matasse células perigosas. Era algo que, em animais, não havia dado certo. Dessa vez, ele era a cobaia. A tontura que o assolava até a chegada em casa era fora do comum, mas não foi levada tão a sério. Ao banhar-se e tentar, com métodos caseiros, desinfectar a área atingida pelo arranhão, o único pensamento que passava por sua cabeça era: e agora?

As horas que se sucederam foram de extrema agonia psicológica e física. Sistema nervoso acelerado, febre alta, boca seca, dor em todas as partes do corpo, frio descomunal e perda da sensibilidade eram os problemas mais sentidos por ele durante essas horas. Dois minutos antes de seu coração parar de bater, parecia que Yussuf estava sendo cozido em um forno. Yussuf era jovem, tinha somente 28 anos e, em vida, não deixara nenhum legado. Seu único e pior legado estava por vir, e viria no post mortem.


Data e hora do óbito na primeira infecção: 22 de Fevereiro de 2011, 13:42min.

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