reconciliação

 Os fatos a seguir ocorreram entre as 13:43hs do dia 22 de fevereiro de 2011 e 18:22hs do dia 23 de fevereiro de 2011.

Se há uma coisa que o ser humano não gosta é de ser desrespeitado. Em muitas ocasiões o desrespeito pode até acontecer e ser ignorado, mas o ser humano detesta a sensação de não ser importante. Quando, após o seu dia de trabalho, Yelena chegou em casa e tirou suas sandálias, tinha a certeza de que esse sentimento era o que ela mais detestava e sempre iria detestar pelo resto de sua vida. O dia de trabalho não havia sido dos melhores, um pequeno erro seu causou diversos problemas no setor. O que levou seu chefe a chamar sua atenção de forma antiética e ríspida. Como se não bastasse, na volta para casa ainda teve que aturar o trânsito irresponsável de sua cidade.

Recém-divorciada de um marido que sempre amou, Yelena ainda sofria com a solidão e o vazio deixados pelo ex-marido em sua cama. Quando ele a disse que teria que se dedicar em tempo mais extenso ao trabalho, ela titubeou e resolveu “bater o pé” para ver o que acontecia (Se há uma coisa que Yelena aprendeu dentro do relacionamento é que ela nunca deveria ter “visto o que ia acontecer”). Seu marido, dedicado ao trabalho, resolveu implorar um tempo a ela. Jurou que esse tempo não passaria de 4 meses e, ao fim desse tempo ele voltaria com todo o amor do mundo. Ela, ao invés de dar os 4 meses que lhe foram pedidos, preferiu dar o resto da vida toda e pediu o divórcio. Pessoa de personalidade forte que era, sempre que pensava em pedir desculpas e dizer que exagerou ao ex-marido, esbarrava no orgulho. Talvez, após esses dois anos de separação e autoflagelação, fosse necessário ao menos pedir desculpas livres de segundas intenções.

Chegar em casa, era sempre uma mistura de alívio e tristeza. Yelena não agüentava mais a situação em que vivia. Passava horas e horas com a mente ocupada por preocupações e remorso. As noites eram sempre demoradas, o outro dia não chegava nunca. Mas essa noite era a pior de todas e ela não sabia por quê. Virava, se mexia e não conseguia dormir. Pensou e decidiu pôr em prática os pensamentos de reconciliação (senão amorosa talvez pessoal) que há muito imaginara. Decidida e um pouco mais tranqüila, resolveu fechar os olhos e ver o que aconteceria.

Quando, então, resolveu abri-los deu de cara com o relógio que ficava pendurado em frente à sua cama e viu que estava atrasada, bem atrasada. Vestiu-se rapidamente, não fez a primeira refeição do dia e, devido ao atraso, talvez não fizesse a segunda também. Vislumbrou a mesa de centro da sala na esperança da chave do carro estar lá como sempre, mas como ainda detinha o pensamento baseado na Lei de Murphy (herança da época de faculdade), suas esperanças eram mínimas. Vasculhou a bolsa e, sim, lá estava a chave. Quando olhou para o relógio de pulso e viu que, mesmo se apressando, havia gasto trinta minutos só para se vestir, se desesperou e saiu em disparada para o trabalho.

Nem o sarcasmo do seu chefe ao falar de seu atraso fez Yelena pensar em outra coisa que não fosse a reconciliação com seu ex-marido. Aquilo a estava consumindo e por mais que ela pensasse na dualidade que esse encontro poderia trazer jamais estivera tão decidida quanto agora. O dia se passou por completo e a hora do momento tão esperado havia chegado.

Perante um encontro iminente onde a beleza física se torna, por conseqüência histórica, parte do processo de conquista, Yelena caprichou aonde podia. Arrumou o cabelo, pôs nova maquiagem, usou um batom que realçava a cor dos seus lábios (uma das partes do corpo que seu ex-marido sempre elogiava). Yelena era uma mulher de pele clara, não muito alta, tinha cabelos cacheados e um corpo, senão perfeito, de dar inveja em algumas moçoilas mais novas que ela. Desde o início de sua puberdade, sempre foi desejada pelos rapazes mais populares de onde passou. Conheceu seu marido em um acidente na aula de física quando ela derramou ácido sulfúrico na calça e ele, vendo sua agonia, tentou amenizar a situação tentando afastar o ácido com a mão. O resultado foram queimaduras que deixaram cicatrizes em ambos. No futuro, eles diriam que as queimaduras, foram o primeiro sinal de que eles estavam ligados para sempre. Yelena estava nervosa e bastante apreensiva. Era o momento, ela estava a poucos centímetros da porta da casa de seu ex-marido.

Bateu, bateu e ninguém veio atender. Ficou nervosa, mas sabia que era bem-vinda lá. Em outras ocasiões havia sido instruída a pegar a chave da porta de entrada, dentro de um vaso que ficava à direita da porta, sempre que precisasse entrar. Entrou, e se acomodou na sala de estar. A casa era pequena, do jeito que ele sempre gostou. Sem tralhas, sem móveis desnecessários, carpete felpudo para meditar nas horas vagas de cada dia, sem TV na sala de estar, um aparelho de som moderno e que ocupasse pouco espaço, um espaço não tão grande no canto da sala, bem arejado, para cuidar de suas três samambaias que purificavam o ar e quatro quadros da sala de estar. Um dos quadros fazia Yelena suspirar e ter esperanças de que ainda havia algo seu dentro dele, um deles havia sido ela quem tinha dado e representou o presente de um ano de namoro dos dois. Era a pintura do local onde ele a havia pedido em namoro, era um carvalho enorme, com uma vista linda de um lago à frente. Era seu quadro preferido.

O resto da casa, continha apenas o básico: um corredor que finalizaria o canto da sala em cruzamento com o banheiro público, a pequena cozinha, e o único quarto da casa com um banheiro. Há o pensamento de que uma residência sem quarto de hóspedes mostra a falta de vontade do proprietário em receber visitas prolongadas. E era exatamente o motivo do aluguel da casa, a casa era só por quatro meses.

Yelena já estava sentada há mais de 1 hora e a ansiedade dava lugar à decepção. Pensava se ele ainda viria. Pensava se havia feito bem em ir. Pensava em desistir. Pensava em desistir de desistir. Pensava em ficar. Pensava em, talvez, dar uma volta pela casa pequena. Decidiu. Ia, realmente, andar pela casa. Foi primeiro ao banheiro conferir como estava a maquiagem. Conferiu. Ainda estava bonita. Foi à cozinha e abriu a geladeira. Estava repleta de frutas tropicais e legumes. Ele continuava o mesmo. Foi às prateleiras do pequeno armário da cozinha. Para sua surpresa havia uma foto sua, em tamanho grande, colada na porta. Seu coração acelerou. Pensou que ainda era importante.

A aceleração do coração diminuiu. Ela teria que controlar as batidas do coração para quando entrasse no quarto. Pensou que se na cozinha havia uma foto dela, dentro do quarto poderia ter mais coisas e objetos que o faziam lembrar-se dela a todo o momento. Precisaria ter seu coração bem preparado pro que poderia haver ali. E realmente precisava.

Yelena abriu a porta vagarosamente e conseguiu ver pela fresta que o lençol da cama estava bagunçado e estava caído no chão. Coisa rara de se ver, principalmente se tratando da organização de seu ex-marido. Quando estava se preparando pra abrir a porta por completo, ouve um estalido vindo do banheiro. Ela se assusta, vira o rosto e vai averiguar. O clima na casa muda de repente, um medo diferente do que sentira durante todas as noites que passou sem seu marido. Um medo ameaçador, em uma situação de perigo iminente. Abre a porta do banheiro e não vê nada. Avança em direção à cortina que separa a banheira do resto do banheiro e a vê encharcada de sangue. Agora sim, seu coração acelera como ela imaginou que fosse acelerar caso visse fotos suas na cabeceira da cama de seu marido. Sua primeira ação é correr, fugir, se esconder. Ela corre desesperadamente pela casa, pega sua bolsa, abre a porta e, novamente, seu coração acelera mais. Alguma coisa está errada. Havia sangue na banheira, seu marido ainda poderia estar em casa.

Ela volta a correr e atravessa a casa em direção ao quarto. Abre a porta de uma vez e vê o corpo de seu marido na cama ensangüentada. As lágrimas descem pelo seu rosto. O desespero a faz desestabilizar-se por um segundo até que decide dar o último abraço no seu marido. Deita ao seu lado, chora desesperadamente e o abraça pondo sua cabeça no peito dele, da mesma forma que fazia quando iam dormir.

Inesperadamente ele desperta e a agarra com tanta força, que seus ossos parecem estilhaçar dentro da carne. Yelena se assusta e o coração, que tanto acelerou ao entrar na casa, dispara novamente. Dessa vez, é de pavor. A força com que Yelena é pressionada é tão grande que o ar começa a faltar. Os sentidos vão se esvaindo aos poucos, a sensibilidade começa a ser alterada, enfraquecida. Ela sente uma forte dor na cabeça, tenta virar e vê seu sangue escorrendo pelo rosto. Debate-se violentamente na esperança de se safar do risco da morte e consegue escapar. Ao sair do quarto, é perseguida pelo seu marido que a vê cair ao chão devido à falta de forças. Ele se joga em cima dela e começa a mordê-la, despedaçando-a com bastante ferocidade. Yelena, já entregue ao comodismo da morte, pergunta ao seu amado marido: “Yussuf, por quê?”.


 Data e hora da segunda infecção: 23 de fevereiro de 2011, 18:22min.

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